quinta-feira, 30 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Felizes os cães, que pelo faro
descobrem os amigos."
(Machado de Assis)

O Rosto Rosa da Universidade

Recordo um antigo e quase esquecido desejo: o de ser qualquer coisa bem definida, não importa se trivial, mas clara, integrada, bem construída, assim como a fachada de alguns edifícios, o rotineiro asfalto, painéis impressos em azulejos ou mesmo certas vestes coloridas e bem cortadas dos transeuntes, figurantes do lado-de-fora da minha cena.
Por volta dos cinco anos de idade perguntaram-me o que eu desejaria ser ao crescer... "O muro rosa da universidade", respondi praticamente convicto. Referia-me a um imenso muro vizinho a casa onde morava... Era monumental aquele muro... Imenso, todo trabalhado, cheio de altos-relevos e jasmineiros sodomitas por trás... As pessoas encostavam-se ali com indisfarçável prazer, quase como os gatos nas nossas pernas... Esse roçar sensual das pessoas nele era um forte motivo (talvez o único) pelo qual eu aspirava também vir a ser aquele muro... Quem se permitia acarinhar em público só o fazia com um outro, o seu parceiro, namorada, amante... Eu todo o tempo pretendi ser esfregado por muitos, a toda hora, sem limites. Ninguém olhava cismado, agressivo, de lado para aquele muro, ou tinha dúvidas sobre a sua importância, utilidade, razão estética-social... Sempre encostavam nele algo de íntimo, sem pedidos de licença, qualquer constrangimento. Ah, como eu permanentemente me vi colado a tanto corpo ocasional, distraído... Deus é a grande obsessão de tantos... A minha jamais deixou de ser as suas simples criaturas, quando se dispõem a amar... Vivia a chamar a atenção das empregadas da casa, de quem passava pelas ruas, do jardineiro, dos vizinhos, dos amigos dos meus pais, dos professores, dos gatos e cachorros.... Até hoje o meu maior objetivo talvez recaia na permanente ansiedade por desvendar qualquer indício de que posso ser amado, não simplesmente como um cristão, fraternalmente, mas de uma forma pagã, orgânica, expressa sem decoro, indecentemente. Sem maior esforço posso afirmar que nunca idolatrei pessoa nenhuma, mas sempre fui obcecado por ser amado, sim, simplesmente ostentar a condição de "amado", aquele mesmo por quem Platão nutriu a maior indiferença.
Se querem saber, não nutro a menor estima por nenhum dos significados normalmente apontados para a existência, mas não resisto à excitante visão de muros, pontes, torres, mansões, a meu ver, os melhores rebentos dos homens. O resto nasceu de cegonhas ou filosofias.
Repito, sempre lutei pela atenção e amor das pessoas, mas aquelas que mais atraem minha atenção elegeram como ofício construir, formar, arquitetar. Talvez até, quem sabe, seduzam-me os traços divinos das criaturas, as suas engenharias. Isso, porque entrevejo o momento sublime em que eu próprio a partir de um determinado instante passarei a ser uma dessas produções, a obra de quem me está amando, criada a partir do mesmo "barro ancestral" do qual surgiu o primeiro homem. Se estou amarrado, sangrando sob o chicote; se estou subindo pelas paredes ou pairando ao lado delas com asas alugadas em um orgasmo, não importa... A cada amor deverei resultar numa obra de quem me ama, ruas pavimentadas, esculturas, monolitos trabalhados.
O tradicional e admirado muro rosa da universidade assemelha-se às modificações no meu rosto triste e pálido, sempre reformado por alguém, que o faz corado ao me amar, ou quando no mínimo em mim se encostam, abandonam-se. Certeza de ser amado acontece ao me reconhecer puro invento, assento ou respaldo do outro. A cada quatro paredes, a cada cama, a cada chão, a cada abraço, ressurjo como produção, arte final, poesia concreta de quem me olhou de frente, estendeu as mãos e nos esculpiu.

Antonio Mattos

Wel

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Faça hoje. Amanhã pode ser ilegal."
(Laurence J. Peter)


Um homem nunca chora


Acreditava naquela história
do que homem nunca chora.
Eu julgava-me um homem.
Na adolescência
meus filmes de aventura
punham-me muito longe de
ser covarde
na arrogante criancice do herói
de ferro.
Agora tremo
e agora choro.

Como um homem treme.
Como um homem chora!
José Craveirinha
Wel




vv

terça-feira, 28 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Quem julga as pessoas não tem
tempo para amá-las. A falta de
amor é maior pobreza."
(Madre Tereza de Calcutá)

Volta de passeio


Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o crital,
deixarei crescer meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos de cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo
e a mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.
Assassinado pelo céu.

Federico Garcia Lorca
(tradução: William Agel de Melo)

Obs:

Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.

Wel



segunda-feira, 27 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Ser feliz é o maior afrodisíaco
que existe"
Elvis Presley

Série Poesia Africana - V São Tomé e Príncipe - Canto de Obó



O sol golpeia as costas do negro

e os rios de suor ficam correndo.

Ardor!

Os olhos do branco

como chicotes

ferem o mato que está gritando...

Só o água sussurante/calmo

corre prao mar

tal qual a alma da terra!

topor

Francisco José Tenreiro
Obs:
Nasceu na ilha de São Tomé donde
partiu, ainda novo, para o continen-
te onde estudou em Lisboa. Foi pro-
fessor no Instituto de Ciências Soci-
ais e Política Ultramarina.
Fonte:
webmaster@antoniomiranda.com.br
Wel


domingo, 26 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Deves ter a cabeça sempre fria,
o coração sempre quente e a mão
sempre larga"
(Confúcio)

Série Poesia Africana IV - Moçambique - Sacrário



Ausência do corpo.
Amor absoluto.

Hosanas de Sol.
De chuva.
De areia.
E andorinhas
resvalando as asas
no consternado ombro cinzento
de uma nuvem.

E uma hérbia mantilha
teu sacrário
velando.
Noémia Souza

Obs:
Noémia Souza nasceu em Catembe,
Moçambique, em 1926 e faleceu em
Cascais Portugal, em 2002. Poeta ,
jornalista de agências de notícias in-
ternacionais viajou por toda África...
Fonte:
webmaster@antoniomiranda.com.br
Wel

sábado, 25 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Você vive aquilo em que acredita e
encontra exatamente o que procura"
(Lair Ribeiro)

Série Poesia Africana - III Guiné-Bissau - Iniciação do Ser



Rasga os pergaminhos
Rompe com os mesquinhos
Inverte esta desordem
Cães ruidosos não mordem

Vento, sopra de avesso
Sem poeira nem arremesso
Todo esse querer é livre
Livre, com garras de tigre

Entoa o tal cântico
Que desafia o mítico
Atravessa o deserto
Vai, destino incerto

Revoluciona o tal verbo
Da palavra, torna-te servo
Do horizonte, fita o futuro
Por fim, salta do muro!
Waldir Araujo
Obs:
Waldir Araujo nasceu em 1971, na
Guiné-Bissau. Em 1985 venceu um
premio literário no Centro Cultural
Português de Bissau que lhe conce-
de a sua primeira viagem a Portu-
gal, onde prosseguiu os estudos...
Fonte:
Wel

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Não é a saída do porto, mas a chegada que
determina o sucesso de uma viagem."
(Henry Ward Beecher)

Série poesia Africana - II Cabo Verde - Doze horas na vida de um mendigo



O mendigo
estendeu suas mãos vazias
na penumbra do dia...
Mastigou gestos de indiferença
encheu seus olhos de movimento diurno
e descansou à sombra da esquina do
seu destino.
Na penumbra da noite
o mendigo
recolheu suas mãos
- cheias de coisa alguma!
João Rodrigues
Obs:
João Baptista Rodrigues nasceu
na ilha de São Vicente, em Cabo
Verde em 09/11/1931
Fonte: webmaster@antoniomiranda.com.br
Wel

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Reflexão do dia

"Se não tiver tempo de pensar
antes de agir, então não aja."
(Tiago Augusto da Cunha)

Série poesia Africana - I Angola - Lírica XVII



Amada Amada
porque suplicaste
que eu lançasse o meu esperma
contra o negro capim?
Avisaste-me é certo
que apenas te poderias dar
quando a lua furtiva se ocultasse
atrás das montanhas.
Mas por um instante
imaginei loucamente
que fosse um acesso de romantismo.
João Melo
Obs:
João Melo (Aníbal João da Silva Melo) nasceu
em Luanda em Setembro de 1955. Estudou
direito em Portugal e em Angola, licenciando-
se em Comunicação Social no Brasil...
Ilustração: Sergio Amorim
Wel

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Quem não luta para realizar seus
sonhos,  acaba  como  coadjuvante
dos sonhos dos outros."
(Cézar Souza)
Wel

Menino chorando na noite


Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um
menino chora.
O chora atrás da parede, a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas.
E no entanto se ouve até o rumor da gota de remédio caindo
na colher.
Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora, em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.

E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a
cabeça
e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade (um fio apenas).
E não há ninguém mais no mundo a não ser esse menino
chorando.

Carlos Drummond de Andrade
Wel

terça-feira, 21 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Problemas são inevitáveis,
soluções também."
(Frank Souza)
Wel

Restos mortais


O mundo sobrevive insano,
cruel, covarde,
não há saudades, lembraças ou
verdades.
Há restos somente de amor e
maldade.
Sangue na blusa do assassino,
calo nas mãos do coveiro,
lágrimas e voz rouca no jovem
em protesto.
Não dá para apagar o pecado em um
papel velho e traçar novos contornos de
um novo dia,
um sol e uma casinha como
no desenho de criança.
O sabido não mais se queixa e
a idéia de sair correndo não foi minha...
Este mundo de cemitérios e
histórias mortas,
estes restos,
que ao nascer já não se tem vida alguma...
Uma bela maçã, este foi o pecado...
Agora só mutantes vestidos de fantasmas,
Ícaros,
e ao invés de se cair no mar,
caímos nos restos mortais do tempo
com panetes na boca.
Sulla Mino
Wel

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Reflexão do dia

"Metade de nossos erros na vida nascem
do fato de sentirmos quando deveríamos
pensar e pensarmos quando deveríamos
sentir."
(J.Collins)
Wel

Sou assim e pronto


Gosto de venenos lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes... tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com cereteza não serei a mesma sempre.

Clarice Lispector
Wel

domingo, 19 de abril de 2009

Passado


Antes o voo da ave, que passa e não deixa rastro,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não esta e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à natureza,
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Fernando Pessoa
Reflexão:
"O valor das coisas não esta no tempo
que elas duram, mas na intensidade com
que acontecem. Por isso existem monentos
inesquecíveis , coisas inexplicáveis e pes-
soas incomparáveis."
(Fernando Pessoa)
Wel

sábado, 18 de abril de 2009

Reflexão do dia:

"Se as pessoas são boas só por temerem
o castigo e almejarem uma recompensa,
então  relamente  somos um grupo des-
prezível."
(Albert Einstein)

Narciso


Menino,
vais cair no rio!
No fundo há uma rosa
e na rosa há outro rio.
Olha aquele pássaro! Olha
aquele pássaro amarelo!
Caíram-me os olhos
dentro d água.
Deus meu!
Ele escorrega! Menino!
... E na rosa estou eu mesmo.
Quando se perdeu na água compreendi.
Mas não explico.
Federico Garcia Lorca
Wel

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Poema da gare Astapovo


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,
Contra uma parede nua...
Sentou-se e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glária,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo sozinho à quela hora,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos de infância!
Mário Quintana
Wel
Reflexão do dia:
"Se o coração é grande, nenhuma ingratidão o fecha,
nenhuma indiferença o cansa."
(Leon Tolstoi)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Poema com Putas



Ontem morreu a puta mais velha da vila. Tinha cabelos brancos, um dente de ouro e uma foto adolescente. Nunca reclamou do tempo, do governo e do preço das coisas. Mas, desconfio, tinha desertos dentro de si.
Foi vista um dia Olhando uma nuvem.
Gostava de um vestido vermelho que nem lhe servia mais.
Quando ela morreu dois negrinhos barrigudos olhavam o incêndio num monte de lixo.
Dizem que foi a paixão de um importante político nos anos 40. Teve jóias, roupa nova, convite pra festas e pneumonia. Sobraram-lhe as rugas: michê de fim de expediente. Votou em Getúlio e sempre respeitou a sexta-feira santa
Paixão ela teve duas Um manco de bigodinho e um outro que voltou pro Norte. O esmalte no dedão descascava, como descascam certos dias e a gente não vê.
Morreu só a puta mais velha da vila. E uma doença que quase a matou. Um cara perguntou se ela era feliz. Outro, por que não casou. E ela sabia que um Domingo rodeada de netos no subúrbio é também uma prisão.
Preferiu a cerveja morna e o São Jorge sobre a cômoda.
Morreu velha essa puta na vila. Sem saber a idade ao certo mas dos setenta chegou perto.
Morreu numa tarde anônima com criança olhando incêndio e cachorro magro passeando na vila. Tarde comum com tédio de vestido vermelho e de varal de vila. o mesmo tédio de que é feita a fúria da primavera e a esperança das putas.
Marçal Aquino
Wel

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Crepúsculo


Nós perdemos também este crepúsculo.
Ninguém nos viu à tarde com as mãos unidas
enquanto a noite azul caia sobre o mundo.
Vi de minha janela,
a festa do poente nos montes distantes.
As vezes, qual moeda,
acendia-se um pouco de sol em minhas mãos.
Eu te recordava com a alma apertada
por essa tristeza que conheces em mim.
Então onde andarias?
Junto a que gente?
Dezendo que palavras?
Por que me há de vir todo este amor de um golpe
quando me sinto triste e te sinto distante?
Caiu-me o livro que sempre se escolhe ao crespúsculo,
e como um cão ferido rolou-me aos pés a capa.
Sempre, sempre te afastas pela tarde
até onde o crepúsculo corre apagando estátuas.
Pablo Neruda
Wel

terça-feira, 14 de abril de 2009

Parada Cardíaca


Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.
Paulo Leminski
Reflexão:
"É um tolo aquele que, verificando
que uma rosa cheira melhor que uma
couve, conclui que fará também uma
sopa melhor."
(autor desconhecido)
Wel

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Oitavo fragmento da décima terceira voz


Sempre virá. A solidão não existe. Nem o amor. Nem o nojo. Odeio quando te enganas assim, girando entre as panelas. A vida é agora: aprende. Ainda outra vez tocarão teus seios, lamberão teus pelos, provarão teus gostos. E outra mais, outra vez ainda. Até esqueceres faces,nomes, cheiros. Serão tantos. O pó acumula todos os dias sobre as emoções. São inúteis os panos, vassouras, espanadores. Tenho medo de continuar. E não suportaria parar, ondas de Iemanjá. Vês como evito pedir ajuda? Vieram da noite, eram muitos, assim compreendes? Talvez, mais que doze? Muito mais, incontáveis: todos esses doze, já faz tempo. Às vezes sonho com eles. Com todos. Com quem nem conheço. Por um momento, cede. Não seja assim implacável, incorruptível. Não paires, esquece as asas. Fecha os olhos. Chafurda, chapinha. Afunda o rosto, solta a língua. Lambe os orifícios. Deixa a baba escorrer. Geme, cadela no cio. Como um macaco, acaricia teus próprios colhões. Estende tua pata peluda para o Outro, delicadamente. Cata os piolhos do Outro. Deixa que catem os teus. Esmaga entre os dentes, engole. Fala-me do gosto
Caio Ferando Abreu
Wel
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